No dia em que Luanda comemora 443 anos de existência, a confirmação pela assembleia de trabalhadores da notícia da retoma dos serviços do Caminho-de-Ferro de Luanda, na sequência de um acordo sobre o fim da paralisação alcançado, quarta-feira, entre a administração da empresa e a comissão negociadora dos trabalhadores para pôr fim à greve, iniciada no dia 14, é a prenda que eu mais aguardo.
Os cerca de 900 trabalhadores do CFL decidiram partir para a greve face à ausência de entendimento com a entidade patronal em relação a um caderno reivindicativo com 19 pontos, dos quais o aumento do salário em 80 por cento revelou-se ser o mais problemático. Os argumentos avançados pela administração da empresa para se negar a aceitar esse aumento, nos moldes em que foi proposto, assentaram em duas ordens de razão: a insuficiência de recursos financeiros e a baixa rentabilidade da companhia, cujo funcionamento é largamente suportado pelos subsídios que o Estado atribui.
A paralisação dos serviços do Caminho-de-Ferro de Luanda trouxe à superfície uma realidade que é comum a muitas empresas públicas, cuja existência depende em grande medida dos subsídios operacionais que o Estado disponibiliza para garantir que continuem a prestar o serviço para o qual foram concebidas.
Cerca de seis mil pessoas que diariamente fazem recurso ao comboio para as suas deslocações deixaram de beneficiar dos seus serviços devido à greve no CFL que, de modo particular, afectou a transportação de carga e de passageiros nas ligações Luanda-Cuanza Norte e Malanje.
O comboio é considerado o meio de transporte mais barato e é um dos que contribuiu de forma significativa para o desenvolvimento das sociedades modernas. As empresas ferroviárias acompanharam, ao longo dos tempos, o progresso tecnológico e souberam afirmar-se como um segmento de negócios altamente rentável, explorando o facto de ser um meio de transporte a um custo mais acessível, com um grande nível de segurança para os passageiros, e em que cada vez mais a aposta na qualidade e conforto da viagem esteve presente. No que diz respeito ao transporte de carga, é praticamente indiscutível a preferência que as empresas que movimentam grandes volumes de mercadorias têm pelos comboios, tendo em conta a relação custo/benefício.
A importância económica do comboio levou as autoridades coloniais portuguesas a interessarem-se na construção de linhas ferroviárias em Angola ainda no século XIX. Alguns relatos fixam em 1887 o início da elaboração de planos de desenvolvimento ferroviário para o país. A linha Luanda-Viana-Lucala surge em 1889 e em 1909 ela é estendida até Malanje.
Não foi por acaso que assim foi pensado. As plantações agrícolas, quer em Malanje, quer no Cuanza Norte, ofereciam garantia de utilidade a muito longo prazo da linha férrea e do retorno do investimento então feito. Nessas duas províncias comerciantes agrícolas portugueses, e não só, viram os seus negócios prosperar de forma exponencial e era preciso exportar os produtos, porque havia necessidade de transformar a matéria-prima, por um lado, e, por outro, porque o mercado nacional era também insuficiente para absorver toda a produção.
E porque é a conversar que as pessoas se entendem, o braço de ferro entre a administração do Caminho-de-Ferro de Luanda e a comissão negociadora dos trabalhadores, que estavam em greve desde o dia 14, teve o condão de despertar as duas partes para a necessidade de melhor rentabilizarem os serviços da empresa, que é a via mais acertada para garantir a sua auto sustentabilidade.
O acordo de princípio para que o aumento dos salários dos trabalhadores seja feito em conformidade com a produtividade da empresa e numa proporção que será determinada pelos rendimentos que vier a obter da sua actividade, começando pelos salários mais baixos, é um passo em frente na forma de encarar a gestão da empresa e representa o assumir de um compromisso que permite augurar uma nova vida para o CFL.
A decisão de aumentar os salários ser precedida de uma avaliação a ser feita conjuntamente entre as partes, para determinar as condições financeiras da empresa, três meses após o início de implementação dos acordos, é interessante na medida em que vincula os trabalhadores à obtenção de resultados. Quem sabe se, com este acordo, quer a entidade patronal, quer os trabalhadores vão engajar-se mais no combate àquelas situações que têm contribuído para que a empresa registe perdas que não são declaradas?
O que dói, 443 anos depois da sua fundação, é que Luanda não tenha uma única linha de metro. Não faz sentido que estejamos a ver surgirem as centralidades e nem sequer um metro a funcionar para ligar os diferentes pontos mais importantes da cidade. Já era tempo e é uma barbaridade que continuemos assim.
Filomeno Manaças
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