quarta-feira, 13 de fevereiro de 2019

Tailandeses pretendiam comprar a dívida soberana de Angola




Comprar a dívida soberana de Angola, construir uma ponte entre as províncias do Zaire e Cabinda e uma linha férrea que interligaria o país são algumas das propostas que o alegado bilionário tailandês Raveeroj Rithchoteanan apresentou ao Presidente da República, João Lourenço, numa carta enviada pela cooperativa das Forças Armadas Angolanas.


O conteúdo deste documento, datado de 4 de Janeiro de 2018, assinado pelo general José Arsénio Manuel, presidente da cooperativa Ondjo Yetu, foi revelado ontem pelo segundo juiz assessor da Câmara de Crimes Comuns do Tribunal Supremo, Aurélio Simba. Na aludida carta, o general José Arsénio informara o Chefe de Estado que os tailandeses da Centennial Energy (Thailand), Company, estavam dispostos a adquirir a dívida soberana do país em troca de concessões de minérios. No período em referência, tal dívida rondava os 70 mil milhões de dólares, de acordo com dados do Ministério das Finanças. A lista de projectos públicos em que manifestavam a intensão de investir não pára por aqui. Já na esfera privada, o general José Arsénio deu a conhecer ao Comandante- em-chefe que a cooperativa das FAA assinara acordos de parceria com a empresa tailandesa avaliados em mais de 46 mil milhões de dólares.

Estimavam, diz no documento, que, se os projectos fossem executados gerariam 500 mil empregos directos e melhorariam substancialmente a vida dos ex-militares e da população que habitam nas zonas onde seriam implementados. Por outro lado, solicitava a intervenção de João Lourenço e de alguns órgãos competentes do Executivo na viabilização dos projectos de investimento a serem financiados pelos tailandeses, uma vez que haviam emperrado na burocracia existente no país. O juiz Aurélio Simba perguntou ao arguido, que está entre os dez cidadãos acusados de tentar burlar em 50 mil milhões de dólares o Estado, se este procedimento administrativo não devia ser feito pela extinta Unidade Técnica para o Investimento Privado (UTIP).

General José Arsénio retorquiu ser normal que qualquer empresa ou entidade escreva ao Presidente da República informando-o sobre os seus projectos, todavia, dai para a frente teriam de passar pela UTIP, órgão que estava adstrito ao gabinete presidencial. Dois dias depois, a 6 de Janeiro de 2018, o general Afonso Lopes Teixeira Garcia, mais conhecido por general Led, enviou uma carta ao inclino do Palácio da Colina de São José com o propósito de, supostamente, tentar influenciar positivamente o pedido da cooperativa das FAA. Nesta carta, sem o timbre da referida cooperativa, o general Led fazia menção de que o projecto dos tailandeses era viável e mencionava a carta da cooperativa Ondjo Yetu, na qual exerce a função de assessor e de colaborador, enviada dias antes. Na carta lida pelo juiz Aurélio Simba, o seu signatário dizia ainda que que já estava em curso um trabalho feito junto do Banco Nacional de Angola (BNA), do Banco de Negócio Internacional e da UTIP e até àquele momento não havia sido detectada qualquer anomalia.

O magistrado judicial questionou de seguida ao general José Arsénio para saber se, mesmo não sendo representante legal da cooperativa Ondjo Yetu, poderia o general Led proceder deste modo, ao que o inquirido respondeu que ele próprio responderia, uma vez que foi arrolado ao processo como declarante. Acrescentou de seguida que fê-lo no interesse comum da cooperativa, atendendo a sua condição de assessor e colaborador. O juiz Aurélio Simba insistiu, se era normal uma pessoa com esse estatuto escrever ao Chefe de Estado falando em nome da cooperativa e Arsénio respondeu que não via mal algum. “A cooperativa endereçou as referidas cartas ao Presidente da República porque, no seu entender não via anormalidade em assim proceder”, consignou o juiz na acta da audiência.

Reunião com membros do executivo

O Presidente da República, João Lourenço, exarou um despacho sobre as cartas, recomendando ao ministro de Estado do Desenvolvimento Económico e Social, Manuel Nunes Júnior, que se reunisse com a direcção da cooperativa, de acordo com o arguido. Em data que não soube precisar, o general José Arsénio e Raveeroj Rithchoteanan, acompanhados por dois tailandeses, foram ao Palácio da Cidade Alta aclarar os investimentos a que se referiam. Da parte do Executivo estiveram presentes Manuel Nunes Júnior, Acher Mangueira (ministro das Finanças) e Ricardo D´Abreu, na qualidade de secretário do Presidente da República para os Assuntos Económicos (actual ministro dos Transportes). O general José Arsénio declarou que o encontro foi bastante curioso e que apenas Acher Mangueira tomou a palavra, questionando-os se a parceria celebrada entre a Centennial Energy (Thailand), Company e a cooperativa Ondjo Yetu acarretaria algum custo para o Estado, ao que Raveeroj Rithchoteanan respondeu negativamente. “Raveeroj [Rithchoteanan] respondeu que seria um investimento directo e sem quaisquer custos para o Estado. Foi a única questão colocada na reunião”, recordou o general, em declarações ao Tribunal.

A alegada promessa de Palhares

O encontro entre os tailandeses com a direcção do Banco de Negócio Internacional, onde terão aberto uma conta bancária a custo zero e depositado o cheque de 50 mil milhões de dólares, também voltou a ser um dos assuntos abordados. Aurélio Simba recorreu às declarações constantes nos autos, segundo as quais o presidente do Conselho de Administração do BNI, Mário Palhares, garantiu, numa reunião realizada nessa instituição, em que havia participado, que “à primeira vista não havia irregularidade no cheque, mas que viajaria até Nova Iorque [nos Estados Unidos da América], para se certificar da sua autenticidade”. De seguida, o juiz questionou o arguido se Mário Palhares chegou a informá-los se tal diligência foi efectuada e que resultados foram alcançados, ao que o general José Arsénio respondeu que desde essa data não voltou a manter contacto com o banqueiro. Por outro lado, o arguido declarou que nunca se apercebeu que o negócio de 50 mil milhões de dólares que os tailandeses diziam ter disponíveis para investir em Angola era inviável, por ter sido interrompido aquando da detenção dos investidores, a 21 de Fevereiro de 2018. No mesmo dia, uma equipa do Serviço de Investigação Criminal (SIC) deteve os cidadãos nacionais Celeste de Brito, a empresária que trouxera a delegação ao país, e Christian Albano de Lemos, o subchefe da Polícia que exercia a função de tradutor dos expatriados. O general José Arsénio disse ainda ter tomado conhecimento de que os cidadãos estrangeiros obtiveram os vistos de trabalho, com um ano de validade, por via da Agência de Promoção das Importações e Exportações (APIEX).

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