quarta-feira, 27 de junho de 2018

NEGÓCIOS DAS MABANGAS COMPROMETIDOS POR CONSTRUÇÕES NA PRAIA



A classe das comerciantes já vai cogitando outro lugar costeiro que não diste muito do actual, para não dispersar a atenção dos seus clientes

Grande parte das mulheres que se dedicam à exploração e colecção de conchas de mexilhão (mabanga), na praia do Benfica, município de Talatona, em Luanda, mostra-se preocupada com as obras em curso nessa faixa litoral da Capital, que, segundo elas vai encurtando o acesso da clientela. “Isso vai complicar o nosso negócio, porque os clientes que chegavam aqui de carro já não podem, está a diminuir o nosso lucro diário e dificultar as despesas de casa”, lamentou Rita Lobito, confirmada por outras senhoras como a mais antiga entre as negociantes da praia que se localiza ao lado do posto de abastecimento da Pumangol. A interlocutora de OPAÍS questionou o facto de as obras que se fazem na referida área não serem controladas ou fiscalizadas pela Administração, porque, segundo assegurou, estão a ser erguidas exactamente no espaço da praia.


Acrescentou que, por via disso, actualmente as conchas que amontoavam fora do alcance das águas substituem a areia da costa. Este material é comercializado em sacos de 50 quilogramas, a preços que variam entre 105 e 300 Kwanzas. Entretanto, os custos para os camiões e as carrinhas são estimados em função da quantidade que a carroçaria do automóvel suporta. Para estes veículos, os valores oscilam entre 10 e 30 mil. A idosa, que perdeu a conta da sua idade ao ponto de estia-la entre 60 e 70, contou que, na década de oitenta, quando chegou nessa paragem, o local estava cheio de vegetação, sendo ela e as suas companheiras, muitas das quais disse já terem morrido, que desmataram e criaram condições para o acomodamento das pessoas. Segundo ela, no princípio vendiam as mabangas com as suas carapaças, mas, em função das constantes reclamações dos clientes, passaram a “descascá-las”, o que motivou o aumento da clientela.

Como a venda lhes obrigava a correr atrás dos passageiros que viajavam para a parte do Sul do país, não lhes restava tempo para recolherem as conchas, ficando as mesmas aos montes dispersos pela orla marítima. “Então, começamos a ver que alguns senhores recolhiam as conchas das mabangas e nos ofereciam dinheiro para compensar o nosso trabalho. Eu e as minhas amigas chamámos as nossas conhecidas para se encarregarem deste negócio”, lembrou Tia Rita, como é tratada entre as negociantes da mabanga. De acordo com Rita Lobito, na primeira fase deste negócio o pagamento ficava ao critério dos clientes, principalmente quando se tratasse de fregueses habitués, pois, nessa altura, as senhoras evitavam a responsabilização de estarem a vender algo teoricamente proibido.

  • Mudança à vista

Dona Sara afirma-se como a líder da geração que herdou o negócio das pioneiras do Benfica. Ela não quer entender como o espaço que existia entre a Estrada Número 100 e o mar está, hoje, cheio de casas. “Quando cheguei aqui, parecia que os terrenos próximos da praia não tinham dono, porque nós estávamos isoladas a trabalhar neste local. No Benfica nem sequer chegava táxi, os machimbombos só paravam lá quase no Futungo”, disse, referindo-se aos antigos autocarros da TCUL. Sara lembrou que os proprietários começaram a manifestar-se à medida que verificavam que o número das mulheres, no local, aumentava, sendo que as informações que recebiam indicavam uma distância considerável entre os limites.

A vendedeira afirmou que, perante a obstrução que as obras de construção vão provocando à mobilidade do negócio que empreendem, resta à classe das comerciantes começar a pensar noutro lugar costeiro que não diste muito do actual, para não dispersar a atenção dos seus clientes. As mais de três entradas para o palco de trabalho das senhoras das mabangas foram fechadas, restando apenas uma apertada por constituir o acesso de alguns moradores cujas casas não dão para a estrada principal. A zona com vegetação que existe no prolongamento traseiro do hotel Lukweku foi apontada como a preferencial pelas senhoras das mabangas, que já anteveem dois problemas, caso tal pretensão venha a concretizar-se. “Primeiro, teremos de vender esses grandes montes que temos aqui, só depois poderemos começar lá, onde a maior dificuldade vai ser o acesso dos carros que irão para fazer os carregamentos”, declarou Maria.

  • Intermediários esperam lucrar mais

Enquanto as comerciantes se acham prejudicadas com a possível mudança. A ser na área de vegetação adjacente aos magais do Benfica, o próximo espaço facilita a entrada em cena dos intermediários, já que lhes aumentará o percurso para o carregamento das viaturas. Quem pensa assim é Tony, conhecido como o mediador mais prestável para as senhoras, que, apesar das constantes jornadas, alega ter uma prestação diária muito fraca que lhe possibilita arcar com as necessidades de casa. “Se mudarmos para as salinas, aí vamos poder cobrar mais pelo carregamento de sacos aos carros, porque lá a distância será maior”.

  • Cozinheiras falam em prejuízos

Apesar de terem assegurado que a maior parte dos seus clientes não era composta por compradores de carapaças de mexilhão, as mulheres que confecionam comida, nas imediações do posto de abastecimento de combustível da Pumangol, admitem que a situação vai afectar o seu rendimento diário. “Porque, entre os nossos clientes também estão os que compram aqui as conchas para as obras ou outros sítios onde precisam desse material para enfeitar”, disse a cozinheira que se identificou apenas por Madó. Aliás, ela revelou que a venda do pescado cozido ou assado, na praia, foi sugerida pelos clientes, para compensar o tempo de espera, devido à arrumação do produto, razão por que, desde o princípio desta actividade, até à data desta reportagem, o menu de refeições dessa paragem baseia- se sobretudo no peixe, choco e mabanga. Nos últimos tempos, as barracas do pescado, como são conhecidas por muitos, passaram a ser frequentadas por funcionários que trabalham nessas imediações do Benfica, tal como os do loja Nosso Super e de material de construção e da esquadra policial, além de alguns automobilistas que abastecem as suas viaturas na Pumangol, bem como taxistas cujo trajecto obriga a passar por essa área.

  • Pescadores temem diminuição

Os potenciais fornecedores das mabangas receiam que o grupo de senhoras que se dedicam ao aproveitamento das carapaças para a respectiva comercialização diminua por causa da suposta mudança de sítio. “Foram elas que nos deram força para passarmos a capturar as mabangas, principalmente quando decidiram amontoar as conchas aqui na praia”, disse um pescador que falou sob anonimato, enquanto apontava para os montes de carapaças com mais de três metros de altura. Relativamente às construções na praia, o velho pescador preferiu não comentar sobre o assunto, tendo-se limitado a dizer que os donos desses terrenos eram conhecidos pela sua classe, mas sentia que os limites estavam a ser ultrapassados Um cidadão que se responsabiliza pelo asseguramento de uma das obras em curso, no local, informou que a sua equipa e a do seu patrão sempre tiveram a sensibilidade de dialogar com as senhoras sobre os projectos e os timings, para não deixá-las sem espaço de manobra.

Fonte: O País. 

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