
A menina que foi contaminada com o vírus de imunodeficiência humana (VIH) durante uma transfusão sanguínea no hospital Maria Pia, encontra-se internada na Pediatria David Bernardino com problemas de anemia
Texto de: Domingos Bento
A família da pequena Luana (nome fictício), de sete anos de idade, que foi contaminada com o VIH, vírus causador da SIDA, durante uma transfusão sanguínea, diz sentir-se abandalhada pelo Ministério da Saúde, que, até ao momento, não lhes prestou quaisquer informações relativamente ao futuro da criança.
Em entrevista a OPAÍS, André Katumbela, avô da menor, disse que Luana encontra-se internada na Pediatria David Bernardino com problemas de anemia, mas a família não tem nenhuma informação sobre o seu estado de saúde, que se apresenta preocupante.
Conforme explicou, a criança queixa-se de fortes dores no corpo, tem a barriga inflamada e tem tido sangramento pelo nariz. Diante da situação, André Katumbela disse que a família vem lutando junto do hospital no sentido de receber alguma informação médica sobre o real estado da criança, mas só tem recebido silênciosas reacções.
De acordo com o avô, após se verificar a contaminação, a menina foi submetida ao tratamento com antirretrovirais de formas a bloquear o vírus. E, durante uma reunião com a ministra da Saúde, Silvia Lutucuta, no dia 30 de Outubro, ficou acordado que Luana e a família partiriam para o exterior do país a fim de se dar prosseguimento ao tratamento.
Porém, até ao momento, André Katumbela disse que a família não voltou a ser contactada pelo Ministério da Saúde sobre os procedimentos e dia da viagem. “No início estavam a dizer que seria apenas eu e a mãe da criança que poderíamos viajar. Mas depois disseram que só a mãe é que ia para a África do Sul. Agora já nem dizem nada e nós estamos assim, abandalhados, sem saber o que fazer”, atestou.
Passo à passo da “borrada”
Luana deu entrada no hospital Maria Pia no dia 10 de Outubro, com dores de dente que lhe teriam inflamado a bochecha. Posteriormente, depois de feitos exames complementares, concluiu- se que a criança também estava com anemia, o que significa baixa de hemoglobina. De seguida, o pai, sendo do mesmo grupo sanguíneo, no dia 12 predispõe- se em doar sangue.
No entanto, apesar de o progenitor ter feito a doação no dia 12, a transfusão viria a acontecer apenas no dia 17, mas com um outro sangue que já estava havia muitos dias no hospital e infectado com o vírus do VIH. De acordo com André Katumbela, depois de ter dado conta do erro, a equipa clínica em serviço apressou-se, no dia anterior, a dar alta à criança de forma a livrar-se da culpa. Mas uma médica, cujo nome não foi divulgado, apercebendo-se da “borrada”, cancelou a alta e informou à família sobre o sucedido, situação que gerou conflitos entre os pais e a direcção do hospital.
Depois do incidente, que está a chocar a sociedade angolana, André Katumbela revelou que a sua família passou a sofrer ameaças no sentido de abafar o caso. Conforme explicou, foram intimidados por médicos e altos funcionários do Ministério da Saúde que, a todo o custo, tentaram silenciar a família no sentido de preservar a imagem do hospital e do Ministério de tutela. “Ameaçaram-nos de todas as formas.
Não reconheceram o erro e ainda queriam que nos calássemos diante desta situação. A SIDA não tem cura. E nós não sabemos como será a vida da nossa filha. A pessoa vai ao hospital a pensar que busca saúde, afinal recebe doença”, lamentou.
A directora do Hospital Maria Pia, Mariquinha Venâncio, não aceitou falar sobre o caso, tendo “empurrado” o assunto para o Ministério da Saúde. Este órgão, por via de um comunicado, deu a conhecer que, por orientação da ministra, Silvia Lutucuta, foi criada uma comissão de inquérito para averiguar o ocorrido e recomendou o seguimento do caso em regime de internato da menina para o cumprimento rigoroso da terapia que iniciou antes de 24horas, conforme protocolo de profilaxia pós exposição.
Segundo o documento, o Ministério da Saúde fará todo o esforço no sentido de impedir a replicação do vírus, atendendo que está provado cientificamente que 90 por cento dos casos expostos não contraem a doença.
“O Ministério da Saúde assume, incluindo se for possível o recurso a uma abordagem diferenciada no exterior do país”, refere o comunicado.
Médico defende criação de comité com urgência
Por seu lado, João Chiwana, médico, explicou que há muitos mistérios em volta do caso e sugere que se crie, com urgência, um comité de médicos para avaliar o que realmente se passou. Conforme disse, após contaminação, só é possível averiguar se a criança terá sido contaminada ou não depois de um mês, porque, antes desse período, os testes não acusam a entrada do vírus no organismo.
“Não temos testes que detectem o VIH no período de janela, que é o período após contaminação. Durante esse período os testes normais dão negativo. E pelas datas, nota-se que foi muito rápido. E isso levanta uma série de dúvidas que precisam de ser analisadas por um comité de médicos”, notou.
Relativamente à terapia a que está a ser submetida a criança, no sentido de se estancar o vírus, João Chiwana fez saber que o método é recomendável, mas não é totalmente seguro. “Geralmente, quando acontecem incidentes do género, faz-se esse tipo de terapia.
A possibilidade de reversão do quadro é muito discutível, pode não dar muita segurança. Normalmente a terapia dura 28 dias. Só depois desta data é que se pode avaliar o corte do vírus com a realização de novos testes, caso seja necessário”, frisou.
OPAIS
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