Ao longo da colonização, milhões de negros escravizados foram trazidos para o Brasil, fazendo com que nosso ele possua hoje o maior número de afrodescendentes fora da África. Eles eram trazidos em sua maioria das regiões do Congo e Angola, de maneira que o português do Brasil foi mais influenciado pelas línguas quimbundo e quicongo.
Observando-se sob um ponto de vista econômico, pode-se dizer que os negros foram importantes para o desenvolvimento da colônia, pois possuíam conhecimentos tecnológicos trazidos de suas sociedades como a agricultura e a mineração. Ao mesmo tempo em que essa visão reduz um tanto os escravos a meros objetos que serviram a um sistema de exploração, podemos também ver pelo lado de que eles foram pessoas ativas, com vontade própria e com um conhecimento ignorado. Não fosse a situação degradante pela qual passaram e o nosso preconceito, poderíamos ter tido uma troca cultural muito mais justa e igualitária.
Hoje temos a influência africana como parte indissociável de nossa cultura em muitos estilos musicais além do samba, como maxixe e maculelê. Na culinária, temos as comidas típicas da Bahia, como acarajé, vatapá, caruru, azeite de dendê além da feijoada. Há também a religiosidade, na qual podemos encontrar a umbanda e o candomblé, com ritos aos orixás e uma grande relação com a natureza (Leia meu post sobre Religiões do Brasil para saber um pouco mais dessas religiões).
No entanto, uma parte que é menos percebida pelos brasileiros é a própria língua. As línguas trazidas pelos negros exerceram mudanças em todas as formas de falar. Uma das mais marcantes é a necessidade de sempre se pronunciar uma vogal em cada sílaba. Por exemplo, no português de Portugal é possível pronunciar as palavras advogado, pneu, psicologia com letras mudas, já no Brasil os falantes sempre colocam uma vogal para apoiar a pronúncia da consoante [adivogado; pineu ou peneu; pissicologia].
O mesmo se estende para palavras de origem estrangeira, que soam algumas vezes engraçadas quando ouvidas por falantes de outras línguas, como é o caso de Titanic, Mc Donald’s, Facebook. Isso acontece porque nas línguas dos africanos trazidos para cá, eles possuíam uma estrutura que basicamente só permitia falar uma sílaba com uma consoante e uma vogal. Assim, essa característica também se tornou bastante presente no português do Brasil, com vogais mais longas, dando uma melodia diferente ao idioma.Como já dizia Oswald Andrade no poema “pronominais”:
Dê-me um cigarro
Diz a gramática
Do professor e do aluno
E do mulato sabido
Mas o bom negro e o bom branco
Da Nação Brasileira
Dizem todos os dias
Deixa disso camarada
Me dá um cigarro.
O uso da próclise (me dá um cigarro) é muito mais falado no Brasil do que a ênclise (dê-me um cigarro), como se costumava prescrever nas gramáticas antigamente. Diferentemente do português, que como língua europeia utiliza mais sufixos para formar palavras, como por exemplo o plural que é formado pelo sufixo -s, essas línguas específicas trazidas da África se valem mais de prefixos. Por exemplo, no banto, o plural é formado pelo prefixo ba-. A própria palavra banto segue essa formação: mtu = pessoa, bamtu = pessoas. Essa característica fez com que no português popular, o plural não fosse realizado pelo -s no final, mas pelo artigo no começo das palavras: as pessoa, as casa, os menino.
No dia a dia, também falamos várias palavras de origem africana. Imagine você indo à praia: algumas mulheres usando tangas para esconder a bunda e alguns homens de sunga. Enquanto isso, uma mãe faz cafuné no filho caçula, que foi picado na bochecha por um marimbondo, parecendo que está com caxumba. De repente vem um moleque vendedor de miçangas andando todo capenga. Por que será que ele está assim? Talvez esteja cansado e precise cochilar um pouco.
Fontes:
Dicionário etimológico da língua portuguesa – Antônio Geraldo da Cunha
Ensaios para uma sócio-história do português brasileiro – Rosa Virgínia Mattos e Silva
Marcas de africania no português brasileiro – Yeda Pessoa de Castr
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