Depois de quase um mês de combates entre as forças rebeldes independentistas de Tigray, a província mais a norte da Etiópia, e as Forças Armadas regulares etíopes, com avanços e recuos na linha da frente mas mais de 35 mil refugiados contados a atravessar a fronteira com o Sudão e a Eritreia em busca de segurança, a capital secessionista, Mekelle, recebeu um ultimato do Governo de Adis Abeba para depor as armas ou enfrentar a destruição sem misericórdia, tendo os seus 310 mil habitantes sido aconselhados a fugir da cidade.
O primeiro-ministro etíope Abiy Ahmed, prémio Nobel da Paz 2018, desde o início dos confrontos com os rebeldes independentistas da Frente Popular de Libertação de Tigray (TPLF, sigla em inglês), a 04 de Novembro, tem colocado uma solução para o conflito apenas em dois cenários, ou a redição incondicional das forças rebeldes ou a sua destruição total, tendo recebido sempre como resposta um "não" rotundo, como o Novo Jornal tem vindo a contar.
Face a um impasse, mas quando as forças leais a Adis Abeba se aproximam da capital da província, Mekelle, apesar de inúmeras baixas de um e do outro lado, e avanços e recuos no terreno, Abiy Ahmed e os seus comandantes do Exército, que é um dos mais apetrechados e bem preparados em África, fizeram um ultimato à TPLF dando-lhes 72 horas - hoje, segunda-feira, 23, à tarde, faltavam apenas 48 horas para terminar o prazo - para uma rendição incondicional ou a destruição sem misericórdia.
Para isso, segundo o Governo de Adis beba, citado pelos media estatais, estão a ser colocados centenas de tanques e peças de artilharia pesada em redor da capital de Tigray, ao mesmo tempo que eram divulgados apelos para que a população de Mekelle, deixe a cidade, situada a mais de 2.000 m de altitude, num planalto acentuado, ou aceite a sua destruição sem misericórdia.
Não foi dada qualquer resposta dos lideres rebeldes, o que pressupõe, pelo menos até ao momento, que se mantém a resposta conhecida, que é a recusa liminar de qualquer cedência face às exigências do Governo de Abiy Ahmed.
À medida que as horas passam, segundo as agências internacionais com correspondentes naquele país, milhares de pessoas continuam a caminhar em direcção à fronteira com o Sudão ou para fora de Tigray, o que está a gerar fortes preocupações à comunidade internacional, com a ONU a lançar repetidos apelos ao diálogo como forma de resolver o diferendo.
Todas as tentativas de abrir diplomaticamente uma saída para a crise militar através do diálogo, mesmo as protagonizadas por governos africanos vizinho, têm sido recusadas por Abiy Ahmed e o seu Executivo, que insiste como única solução a rendição dos rebeldes.
Um dos oficiais citados pela imprensa local e internacional, o coronel Dejene Tsegaye, admitiu que o ataque final a Mekelle pode ser diferente do que se tem passado até aqui, porque a decisão de evitar vítimas civis será alterado neste caso, visto que foi dada a oportunidade de os habitantes da capital de Tigray abandonarem a cidade antes do ribombar dos canhões.
Porém, a aparente facilidade que Abiy Ahmed pretende demonstrar parece ser algo diferente na realidade, como um documento secreto elaborado pelas Nações Unidas e divulgado pelo The Guardian demonstra.
Segundo este documento, as forças etíopes estão a enfrenar uma oposição muito mais vigorosa do que é admitido oficialmente e através das suas comunicações, estando em aberto a possibilidade de as forças rebeldes, melhor conhecedoras da região, contando com os milhares de homens naturais da região que integram as forças armadas estacionadas nos quartéis do norte do país, darem início a uma estratégia de "atrito" que consiste em lançar ataques cirúrgicos prolongando no tempo este conflito, a ponto de isso poder retirar o ímpeto às forças regulares.
Devido às características do terreno, montanhoso, acidentado e com vastas áreas de difícil acesso para um Exército regular apoiado por artilharia e tanques, os guerrilheiros da TPLF, segundo analistas citados pelos media internacionais, podem com relativa facilidade prolongar indefinidamente este conflito, deixando o primeiro-ministro e Nobel da Paz Abiy Ahmed em sérias dificuldades perante a sua população e perante o mundo.
Esta guerra resultou de meses a fio de um constante e sólido aumento das tensões entre os rebeldes e o Governo de Abiy Ahmed, depois de o seu Governo ter adiado eleições devido à pandemia mas com os lideres de Tigray a realizarem-nas na mesma, gerando uma insustentável quebra no já de si escasso diálogo e dando o mote para disparar a primeira bala, cujo ruído ainda hoje se ouve, tendo, pelo caminho, causado milhares de mortos e feridos e mais de 35 mil refugiados naquele que era um dos mais promissores países africanos.
A ofensiva governamental foi lançada depois de Abiy Ahmed ter acusado a TPLF de ter atacado uma guarnição militar regular, apoderando-se do armamento ali estacionado. As primeiras batalhas vieram mesmo dos céus, com a Força Aérea a fazer raides diários sobre Tigray.
As animosidades, como o Novo Jornal explica aqui, têm, no entanto, uma génese histórica, porque as elites políticas de Tigray, região com apenas 9 milhões dos 105 milhões de habitantes da Etiópia, o segundo país mais populoso do continente, governaram a Etiópia durante décadas até que o actual primeiro-ministro Abiy Ahmed, ter chegado ao poder, em 2018.
Abiy Ahmed é natural de Beshasha, região-estado de Oromia (cuja capital é Adis Abeba, em acumulação com a capital do país), com 35 milhões de habitantes, no centro da Etiópia, e o povo Oromo, histórico rival do povo Tigrayan, que conseguiu manter as rédeas do poder etíope nas últimas décadas, praticamente desde a morte de Haile Selassie, em 1974, também ele, tal como Abiy Ahmed, natural de Oromia
Fonte: Novo Jornal
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