O desaparecimento rocambolesco do ex-presidente chinês da Interpol, acusado de corrupção em seu país, é um duro golpe à imagem da China e à sua ambição de consolidar sua presença nas organizações internacionais, avaliam observadores.
A escolha de Meng Hongwei à frente da organização de cooperação policial no fim de 2016 foi um triunfo para o regime do presidente Xi Jinping, apesar da inquietação gerada entre os defensores dos direitos humanos.A última assembleia geral da Interpol ocorreu em Pequim em setembro de 2017, ocasião na qual o próprio presidente chinês fez um discurso.
A China, o país mais populoso do mundo, tem uma presença relativamente modesta nas organizações internacionais com relação aos países ocidentais, e não dirige nenhuma instituição desde a aposentadoria de Margaret Chan, de Hong Kong, que esteve à frente da Organização Mundial de Saúde entre 2007 e 2017.
Mas o desaparecimento de Meng no fim de setembro, quando voltou à China, seguida do anúncio de sua detenção por corrupção e de sua demissão, deixa evidente os cruéis métodos do aparato repressivo chinês, em contradição com as normas de transparência seguidas nos países democráticos.
Pequim não achou conveniente avisar à Interpol que seu presidente estava sendo investigado e tampouco a França, país onde a organização tem sua sede. As autoridades francesas tiveram que iniciar uma investigação a pedido da esposa de Meng.
“Este caso terá um impacto negativo no ‘soft power’ chinês”, especula o cientista político Willy Lam, da Universidade chinesa de Hong Kong. Em plena guerra comercial transpacífica, o caso atiça os americanos “que acusam a China de não respeitar o Estado de direito”.
Pequim anunciou na segunda-feira que Meng, de 64 anos, era acusado de “aceitar subornos”, mas sem detalhar se essas acusações estavam vinculadas a suas funções à frente da Interpol, ou ao seu cargo de vice-ministro de Segurança Pública (polícia), que ocupava paralelamente.
– Detenções clandestinas –
A Comissão Nacional de Supervisão, que investiga o caso de Meng, pode manter suspeitos detidos em segredo durante seis meses, sem avisar a sua família ou dar acesso a um advogado.A Comissão é o principal órgão encarregado de implementar a campanha anticorrupção lançada por Xi Jinping desde que chegou ao poder, em 2012. Segundo um balanço oficial, mais de 1,5 milhão de membros do aparato estatal chinês foram sancionados nesta campanha, da qual suspeita-se ter sido usada para eliminar a oposição interna ao presidente chinês.
Meng Hongwei poderia ter aceitado subornos, mas também “comprometido a segurança nacional”, avalia Su Wei, professor de uma escola de quadros do Partido Comunista Chinês (PCC), citado nesta terça-feira pelo jornal oficial Global Times.
“Xi exige uma lealdade absoluta”, observa Willy Lam, presumindo que os investigadores puderam ter dúvidas sobre a fidelidade de Meng com a linha presidencial.
Mas essas suspeitas não são recentes: o Global Times lembra que Meng foi afastado da direção da Guarda Costeira chinesa em dezembro de 2017, e em abril foi excluído da célula do PCC em seu próprio ministério. No entanto, isso não o impediu de continuar liderando a Interpol.
A partir de agora “as organizações internacionais vão pensar duas vezes antes de escolher um chinês em sua direção”, observou de Washington a sinóloga Bonnie Glaser, do Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais, ressaltando ao mesmo tempo que o caso não é bom para a imagem da Interpol.
“A Interpol será muito criticada se não exigir uma investigação pública e o respeito aos direitos do acusado”, adverte.
O porta-voz da diplomacia chinesa, Lu Kang, assegurou na segunda-feira que a China continuará atuando “como um ator responsável” com um “papel necessário nas relações internacionais e nas organizações internacionais”.
Cheng Xiaohe, professor de Relações Internacionais da Universidade Popular de Pequim, reconhece que o caso “prejudica” a imagem da China. Mas também mostra que Pequim “está pouco preocupado com a sua imagem quando se trata de combater a corrupção”.
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