domingo, 15 de julho de 2018

Presidente angolano anula contratos de 20 mil milhões de dólares à família de José Eduardo dos Santos

Mais de 20 mil milhões de dólares de contratos adjudicados sem concurso público por José Eduardo dos Santos aos filhos, Isabel dos Santos e José Filomeno dos Santos, foram no último mês de junho anulados por João Lourenço.
Indiferente aos temores de alguns círculos do regime, com estas medidas o novo Presidente dá sinais claros de rejeição da herança do seu antecessor assente num escandaloso esquema de corrupção, gestão danosa e favorecimento de negócios milionários aos familiares e servidores.
“Os últimos meses de governação de Eduardo dos Santos atingiram um desvario moral sem precedentes”, disse ao Expresso o economista Filipe Bartolomeu.
A situação atingiu uma gravidade tão grande que em maio a função pública esteve à beira de não receber ordenado. “Ainda ninguém sabe a verdadeira dimensão do buraco financeiro em que o país está atolado”, sublinhou fonte do Ministério da Economia.
É perante a herança das várias conexões dos negócios da família do antigo Presidente que neste momento está concentrada a investigação da Procuradoria-Geral da República de Angola.
A nível interno, nem o estatuto de mulher mais rica de África, atribuído a Isabel dos Santos, fez João Lourenço recuar na sua cruzada contra a corrupção.
Depois da Victoria Holding Limited, detida por Sindika Dokolo, chegou agora a vez de o Presidente mandar cessar a ligação da Sodiam — empresa estatal de comercialização de diamantes — à Odyssey, um veículo utilizado no negócio pela empresária angolana.
Ao dar por findo um “contrato de preferência de compra e venda de diamantes brutos”, a Sodiam alegou “perdas para a companhia e elevadas benefícios para o parceiro”.
Mas os dissabores para Isabel dos Santos não ficam por aqui. Com base numa garantia soberana de 1500 milhões de dólares assinada por Eduardo dos Santos um mês antes de abandonar o poder, seria adjudicada por ajuste direto à Atlantic Ventures, empresa detida por ela, o contrato de construção do Porto do Dande.
Presidente angolano anula contratos de 20 mil milhões de dólares à família de José Eduardo dos Santos
“O porto vai ser construído, mas no âmbito de um concurso público internacional”, disse ao Expresso fonte do Conselho de Ministros angolano.
A empresária viu ainda fugir-lhe das mãos os projetos do Plano Metropolitano de Luanda e da Marginal da Corimba, ambos atribuídos sem concurso público. O primeiro contrato absorveria 615,2 milhões de dólares e o segundo 15 mil milhões de dólares, em 15 anos. O contrato da construção da Barragem Hidroelétrica de Caculo Cabaça, avaliado em 4,5 mil milhões de dólares, saiu também da alçada do seu portefólio de negócios.
Outro filho de Eduardo dos Santos, José Filomeno (Zenú), associado à Sompepa, viu ser retirada a esta empresa os direitos mineiros para exploração de ouro.
O contrato da construção do Porto de Cabinda — entregue de forma administrativa à Caioporto — uma empresa-fantasma controlada em 99,9% pelo antigo sócio de Zenú, Jean-Claude Bastos de Morais —, por ordem de João Lourenço, teve o mesmo desfecho.

Reino Unido também intervém

No plano externo, a ação interposta pelas autoridades angolanas levou o Tribunal Superior da Justiça do Reino Unido a interditar o acesso tanto de Jean-Claude Bastos de Morais como de Zenú a 3 mil milhões de dólares do Fundo Soberano.
Aquele gestor suíço é apontado como pretendendo condicionar a devolução do dinheiro desviado ao pagamento de honorários e à desistência pelo Estado de todas as ações criminais.
“Parece que não sabe quem manda aqui!”, advertiu uma fonte da PGR angolana. A ordem judicial do Tribunal britânico estende-se a 18 sociedades de Jean-Claude que, desde 2013, geria 85% dos ativos do Fundo.
No âmbito deste processo, os dois antigos gestores do Fundo são agora obrigados a apresentar a lista de bens e contas bancárias.
Nas suas diligências para recuperar o dinheiro, a PGR angolana está a ser apoiada por escritórios de advogados da Suíça e das Ilhas Maurícias.
“Não se pretende perseguir ninguém, mas apenas pôr fim a práticas imorais e ao clima de impunidade que manchava a imagem do país”, disse ao Expresso fonte do gabinete de João Lourenço.
O Expresso tentou contactar Isabel dos Santos e José Filomeno dos Santos mas até ao fecho da edição não obteve qualquer resposta. Jean-Claude Bastos de Morais preferiu remeter o assunto para o comunicado emitido há três meses em reação à decisão das autoridades mauricianas.

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