segunda-feira, 21 de maio de 2018

Autarquias: Conselho de Ministros analisa hoje pacote legislativo, polémica entre Executivo e oposição vai aquecer


A discussão pública sobre a legislação que vai moldar o processo de implementação das autarquias no país vai decorrer nos meses de Junho e Julho próximos, anunciou o ministro da Administração do Território e Reforma do Estado.

Adão de Almeida fez este anúncio no Bié, onde relembrou que o Conselho de Ministros vai ter em cima da mesa o conjunto das normas que vão configurar o processo da criação das autarquias, como as Leis Orgânicas sobre Organização e Funcionamento das Autarquias Locais, das Eleições Autárquicas, sobre a Institucionalização das Autarquias Locais, das Finanças Locais e sobre Transferência, Atribuições e Competências para as Autarquias Locais.

No entanto, a questão mais polémica em todo o processo de criação as autarquias locais é o princípio do gradualismo previsto pela Constituição mas que o Executivo/MPLA e a oposição têm mostrado não estar em sintonia no que diz respeito à interpretação do texto constitucional.

Essa questão poderá, no âmbito da discussão pública, ver alguma luz, nomeadamente quanto à possibilidade de oposição e Governo poderem aproximar posições ou ainda a questão da transferência de poderes e os respectivos financiamentos para as futuras autarquias.

Consenso difícil

Para já, e antes de o referido pacote legislativo sobre as autarquias locais em Angola passar pelo Conselho de Ministros, o que vai suceder hoje, e antes da prevista ampla discussão pública prévia à sua aprovação na Assembleia Nacional, o Executivo e a Oposição mostram ter pensamentos distintos e interpretações díspares do caminho que a Constituição aponta.

Em síntese, o que o Governo pretende, e interpreta como sendo o plasmado no texto constitucional é que o gradualismo tem, também, um carácter geográfico, como se pode verificar na forma como quer criar em avanço autarquias nas principais localidades em cada uma das 18 províncias angolanas.

Com este modelo, o Executivo admite duas velocidades no país, com autarquias nas principais cidades e com o restante país a manter-se, por tempo indeterminado, sob gestão centralizada, o que pressupõe que algumas cidades possam ser governadas por um autarca eleito democraticamente enquanto outras continuam sob governação de administradores indicados pelo poder central e por um eventual governador provincial.

Como o Novo Jornal Online avançava em Março, as autarquias poderão ter lugar, numa primeira fase, em 36 municípios do país.

Alguns exemplos. No caso de Benguela, as autarquias poderão acontecer nos municípios de Benguela e Lobito, na província do Huambo podem ser escolhidos os municípios de Huambo, Bailundo ou Caála, na Huíla, as autarquias estão projectadas para as cidades do Lubango e Matala, em Malanje, terão sido escolhidas os municípios de Malanje e Kalandula, no Zaire, serão escolhidos os municípios de Mabanza Congo e Soyo e na província de Luanda, os municípios eleitos são Luanda, Cazenga, Cacuaco, Belas e Viana.

Oposição suspeita, MPLA defende gradualismo

A oposição suspeita que os municípios que o Governo vai seleccionar para o gradualismo nas autarquias são aqueles onde o partido no poder tem influência junto dos eleitores.

O membro do PRS, António Silvano Camezi, expôs que conhece os "truques" do MPLA em todas as eleições que já aconteceram em Angola.

"Tudo já está feito. Se a oposição ficar muito distraída, o que aconteceu nas últimas quatro eleições gerais vai repetir-se nas autarquias", afirmou António Silvano Camezi.

A preocupação do membro do PRS é extensiva ao seu homólogo da FNLA, Santos António Nsonqui, que afirma que "o gradualismo é uma lição bem estudada pelo partido no poder".

"Reconheço que alguns municípios do país não reúnem condições para as autarquias, mas os municípios que o Governo seleccionar são aqueles onde o MPLA sempre venceu as eleições", declarou.

Na opinião do membro do MPLA, Anastácio Silva Catumbo, sempre que se fala das eleições, a oposição nunca reconhece credibilidade às instituições que preparam o processo.

"Estamos habituados às reclamações da oposição. O gradualismo é que tem que funcionar nas autarquias", determinou.

Definição de gradualismo

A esse respeito, o Presidente da UNITA, Isaías Samakuva, afirmou ao longo desta discussão, que "a UNITA não nega a necessidade do gradualismo" mas enfatiza que a interpretação que a UNITA dá a essa questão é diferente da que está a ser dada pelo Governo.

O gradualismo defendido pela UNITA, explicou Samakuva, tem a ver com a transferência de competências e atribuições da administração municipal para as autarquias.

"Estamos a falar de tipos de autarquias previstos na Constituição da República. A UNITA defende autarquias municipais, inframunicipais e supramunicipais nos termos da Constituição", acrescentou.

Esta ideia é complementada pelo seu líder do grupo parlamentar líder do Grupo Parlamentar, Adalberto da Costa Júnior, defendendo este que em momento algum a interpretação da Constituição aponta para o gradualismo geográfico nas eleições autárquicas anunciadas para o ano de 2020, e acusa o Executivo de querer deixar dois terços de Angola fora do processo de criação das autarquias.

Na sua opinião, o Governo quer abandonar o grosso dos municípios em áreas rurais e deixar a maior superfície geográfica fora da administração local, para ficar sob exclusiva administração central.

"Chamo a atenção para a existência de uma agenda institucional, determinada a vender-nos gato por lebre e a trocar poder autónomo por órgãos desconcentrados do poder central e, intencionalmente, determinada a confundir autarquias com municipalização de alguns serviços, procurando evitar a todo o custo a partilha de poderes com a comunidade de cidadãos, os verdadeiros depositários do poder local", frisou.

Sobre esta questão da realização de eleições autárquicas em todo o país ou num conjunto limitado de municípios, que a oposição quer ver clarificada no curto prazo e no sentido de não se optar pela progressividade territorial, o Vice-Presidente da República, Bornito de Sousa, defendeu no mês passado, em Malanje, a possibilidade de ser escolhido o sistema preferido do MPLA, que é escolher algumas localidades para dar início a este processo e depois ir progredindo para todo o país.

"Este é um dos tópicos que, no quadro das leis a aprovar, os deputados terão que decidir e, livremente poderão fazê-lo num ou noutro sentido. Entretanto, não encontra acolhimento constitucional, a tese de que apenas uma das duas hipóteses é constitucional", disse, notando que a cautela é aconselhável visto que Angola não dispõe de qualquer experiência neste campo.

Autarquias e o todo nacional

Mas Bornito de Sousa introduziu um elemento novo ao deixar em aberto a possibilidade de as autarquias não abrangerem todo o território nacional, ficando o Estado central responsável por essa parte que ficar fora da abrangência dos órgãos municipais a eleger, como está previsto naquilo que foi dado a conhecer até agora do que é a ideia do Governo para a implementação do poder autárquico democrático em Angola.

Por exemplo, Bornito de Sousa explicou que a Constituição admite como possível que a autarquia se limite "ao território do foral da cidade", permanecendo o restante território sob alçada administrativa do Estado.

Isto, porque, acrescentou, o texto constitucional faz referência a que as autarquias sejam criadas nos municípios não exigindo que a autarquia seja o município, lembrando ainda o vice-Presidente que essa solução existe em alguns países.

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